sábado, 7 de novembro de 2009

Noites Lisboetas



Combinaram por telefone encontrar-se à porta dela. Um prédio pombalino com degraus de madeira restaurada, imaculadamente encerados. O corrimão em ferro forjado envernizado a mate incolor amparava-lhe o descer quando usava os compensados que lhe acrescentavam o resto da altura para o beijo equilibrado.
Ele chegou primeiro, como acontecia sempre. Pressionou o botão retro e polido da campainha…ela desceu. Ouvia-lhe os passos lentos compassados e seguros desde o bater da porta de quinto andar. A escada ecoava-lhe o chegar de forma apetecível e desejada de os ver de novo após tão grande ausência.
Ela tinha estado fora a preparar a colecção de inverno, em Milão. Ele de novo em missão no Iraque para um canal de informação inglês.
Há três meses que não se viam a não ser por vídeoconferência.
Ela pisava o último lance de escadas que ele conhecia de cor. Abriu a porta e ficou a olhá-la naquele descer. Nos últimos degraus deixaram olhos fixos um no outro enquanto os passos dela os aproximavam. Ambos esticaram os braços lentamente encaixando-se num gesto impetuoso. Depois num beijo leve de lábios.
Para não quebrarem a vontade de se sentirem juntos de novo, combinaram no inicio da relação, não falarem de nada durante o reencontro após uma ausência prolongada.
Conheciam o gosto de ambos em todos os cenários vividos.
A “Brasserie” da Alecrim era um dos restaurantes preferidos, calmo àquela hora a que costumavam jantar fora e tão próximo de casa dela. Onde quase sempre terminavam a noite.
Ele pediu bem passado, ela um seitan e espumante rosé para acompanhar. Ele um Romeira tinto. Continuaram a olhar-se alheios a tudo, revendo-se no desejo já vivido de voltarem a tocar-se ali por debaixo da mesa coberta com uma toalha branca a transbordar pano e margem de segurança ética.
Ela num vestido novo, largo e vermelho, escorrendo leve e amarrotado quase até aos joelhos, decotado a insinuar-lhe o peito.
Começaram pela salada de odor intenso a vinagrete, polvilhada com frutos secos. Ela, num movimento denunciado, continuava a olhá-lo. Era o convite para que ele, já descalço, posicionasse o pé no meio das pernas dela. O movimento lento ao tocá-la… provocou-lhe em menos de um minuto a intensidade suficiente para que os olhos denunciassem sem pestanejar aquele primeiro orgasmo para ele. Sempre de olhos fixos e mudos de palavras. brindaram ao primeiro dessa noite, esvaziando os copos num único gesto até à derradeira gota. com a mesma vontade e empenho que tinham sentido momentos antes.
Durante o resto do jantar permaneceram calados a invadir-se com o olhar. num jogo grandiosamente dominado por ambos.
Outro ritual fazia parte daquele reencontro. O ultimo copo era bebido, como o primeiro, de uma só vez.
Saíram do restaurante, trocando as mãos na cintura. Quando ela punha sapatos mais altos ele adorava colar-se, para lhe sentir ainda melhor o andar.
Perto da casa dela e já no regresso um concerto clássico de rua juntava várias centenas de pessoas. Encontraram um encosto de parede disponível ao fundo da plateia entre duas colunas das arcadas de uma loja.
O concerto recomeçou, ela fechou o olhos e deixou-se recuar até mais perto dele que de tão perto, lhe sentia o respirar na sua nuca. Um sopro de vento frio mas suave fez aninhar-se ainda mais.
A musica invadia toda a praça em crescendo... como ela, abraçando-o até onde a mãos chegavam. Sentiu as dele responderem a essa provocação tacteante.
Os bolsos do vestido não tinham fundo propositadamente. E ele sorriu ao sentir-lhe a pele convidativa das ancas na ponta dos seus dedos. Das contracções de ventre dela a cada poro estimulado.
Uma mulher ali mesmo ao lado apercebeu-se e olhou-a com um sorriso cúmplice.Ela voltou a fechar os olhos até se perder demorada e expectante na intensidade do próximo. Recostou a nuca no ombro dele e deixou-se levar pelo contraste daqueles dedos que sabia de cor, em crescendo até à apoteose do “coroado” estimulo final , de Mussorgsky, coro e sinos em sintonia com o que lhe vinha de dentro. Durou o tempo das palmas de toda a plateia que lhe abafaram o sussurro descontrolado.
Ficaram ambos na mesma posição até todos saírem da praça...sobravam ecos de concerto naquele desconcertante reencontro há muito desejado. A noite estava a começar...